terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Berço do Herói, ou apenas Roque Santeiro



      É agradável acompanhar uma obra que reúna tantos talentos indiscutíveis juntos, em uma mesma novela. Roque Santeiro marcou época com a história do 'santo que não era santo'; de alguém que foi alçado à santidade, sem nunca ter tido pudor ou ética para tal; cujo retorno causaria uma ruptura atroz e mexeria com interesses dos mandatários locais.

       Escrita originariamente em 1963 e encenada pela primeira vez em 65, a peça de Dias Gomes que originou a novela nasceu polêmica e provocadora. Ao mostrar um cabo do exército brasileiro que é idolatrado por sua bravura durante a guerra, morto em combate e motor central de uma cidade, outrora desconhecida e agora, pujante e em franca ascensão, Gomes critica deus e o mundo em sua peça.



A cidade e seus 'mais ilustres' cidadãos vivem da exploração do mito, e dele dependem para continuar em suas posições de destaque na sociedade asabranquense. O retorno deste "herói de guerra", vivinho da silva e sem saber da história surreal, causa ranger de dentes e se torna uma ameaça ao sistema. E é aqui que a obra prima se diferencia da novela.

Na peça o autor satiriza os 'falsos mitos' (dizem que Dias Gomes bebe na fonte da, nada inspiradora história de Padre Cícero, conhecido por se apego obsessivo ao dinheiro e com uma vida não muito regrada, longe do púlpito), os coronéis locais, que mantém todos ao redor no cabresto e até o exército --que odiou desde o início a história, pois mexia com coisas consideradas sagradas, ao menos para as forças armadas. 


ORIGINAL OU A CÓPIA

O autor também colaborou no roteiro da novela, mas do ponto de vista criativo, está abaixo do texto original. Naquele momento (o nascimento da Nova República) ainda não se podia criticar ou satirizar os militares, então optou-se por manter a versão da novela da década de 70 (proibida de ir ao ar): em vez de um cabo exército, um 'fazedor de santos'.


A história tinha potencial, mas não para perdurar por quase um ano. Resultado: desgatou-se a temática para "encher linguiça", cansou quem esperou tanto tempo pelo final e decepcionou quem queria ver um desfecho que mexesse com as estruturas. Mas ainda assim, a novela esteve muito acima da média (ainda mais comparando com as excrecências feitas pela mesma emissora nos últimos anos), principalmente por um elenco genuinamente talentoso (excetuando-se Alexandre Frota e Maurício Mattar,dois peixes fora d'água) com Armando Bógus, Paulo Gracindo, José Wilker, Ary Fontoura, Yoná Magalhães, mas acima de tudo, Regina Duarte e Lima Duarte.Só os dois, em performances impecáveis, já valeriam uma espiada.Mas o livro é infinitamente superior ao folhetim --como sempre.

A obra de Dias Gomes é atemporal. Suas críticas corrosivas são perfeitamente plausíveis nos dias atuais. Resta saber se em uma sociedade acostumada com sub-produtos literários, onde se consome arduamente bobagens como Crepúsculo, 50 Tons de Cinza ou livros de "celebridades" ensinando a fórmula do sucesso, clássicos como O Berço do Herói ainda teriam espaço. 


Acompanhe também:

Clássicos da Literatura Mundial - parte 1




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