O rock de
Brasília revelou uma geração fantástica de bandas no início dos anos 80. Até
hoje curtimos as músicas e reverenciamos o talento e a história delas. A
trajetória de cada grupo é única. Plebe Rude, Paralamas do Sucesso e Aborto Elétrico
(que originaria tanto a Legião Urbana, quanto o Capital Urbana) são as
principais.
Mas a trajetória
de Renato Russo e sua trupe se destaca. O cantor sempre expôs em suas letras as
coisas que vivenciou em sua conturbada adolescência e o começo da vida adulta na capital do país.
O sucesso começou lá, mas a banda saiu Brasil afora para
divulgar seu trabalho memorável. E Brasília acabou ficando pra trás. Voltar à
terra natal era um desejo dos integrantes, mas faltava o momento certo. E ele
surgiu na hora e local errados.
Primeiro que
shows no estádio Mané Garrincha não comportavam a estrutura que a Legião
exigia; segundo porque a organização foi das piores; e por fim, o campo parecia
um caldeirão efervescente, prestes a explodir.
18 de junho de 1988
No Correio
Braziliense do dia posterior:
“O frio de 12 graus e as festas juninas que
se espalhavam pela cidade não impediram que 50 mil pessoas fossem ao velho
Estádio Mané Garrincha na noite de 18 de junho de 1988. A maioria estava ali
preparada para uma grande celebração. Aquela multidão — nunca antes reunida em
ambiente fechado na capital —, vinda de todas as partes do Distrito Federal,
aguardava a apresentação da banda que colocou Brasília, de vez, no mapa da
música brasileira. Havia uma grande ansiedade pelo show Que país é este, da
Legião Urbana, em plena era Sarney, governo desgastado por planos econômicos
falidos.”
“Durante o show que marcava a volta da banda
à cidade, os portões do estádio Mané Garrincha foram abertos, na tentativa de
conter os que não conseguiram comprar um dos 50 mil ingressos postos à venda.
Com a tensão no ar, uma série de confusões se sucederam. Violência policial,
discursos inflamados, bombas caseiras e a invasão do palco por um fã alucinado
que se agarrou violentamente ao vocalista.”
E foi
exatamente a subida ao palco de um fã descontrolado, o estopim.
Renato se
debatia para se livrar do rapaz; os seguranças intervieram para retirá-lo do
palco e, à força, o arrastaram. Quando Russo os viu espancando o jovem, não
titubeou e disse: “larga ele!!”. Ele
vociferava contra um dos que seguravam o fã. Nem por isso o acontecido fez com
que Renato ganhasse o público. Uns vaiaram, outros aplaudiram...Até ouvirem a
frase que foi definitiva para o caos começar: “ô cidade atrasada, é por isso que a gente não vem aqui...”
Renato Russo
pegou pesado contra sua própria cidade, se voltando contra tudo e contra todos,
indiscriminadamente, mesmo sendo a culpa pela situação caótica de poucas
pessoas. A partir daquele instante, os integrantes da banda sabiam que a noite tinha acabado.
Os discursos
que entremeavam as músicas (escolhidas a dedo para protestar contra a sociedade
e o governo) inflamaram a multidão de tal forma que ao proferir aquelas
palavras foi como apertar o gatilho.
Saldo final:
o cenário de caos terminou com a suspensão da apresentação e mais confusão.
Cerca de 50 pessoas foram presas, mais de 300 ficaram feridas e uma série de
péssimas lembranças como resultado.
Para Renato
ficou o gosto amargo de ver, no dia seguinte, pichado em frente sua casa a
frase “Legião, não voltem mais”. Era a revolta de fãs da banda que deixaram o
estádio no dia anterior, frustrados por assistir a um espetáculo com repertório
reduzido e terem sido alvo da violência da polícia que tentava, à força, conter
a reação daquela massa de descontentes, principalmente por uma série de
acontecimentos infelizes, como a dificuldade de acesso às dependências do Mané
Garrincha e o atraso de mais de duas horas para o início do show — reza a lenda
que muito da agitação teria sido planejada por não fãs da Legião que foram ao
estádio com o intuito de criar deliberadamente confusão.
Polêmicas à parte,
o que ficou de tudo isso foi a lição de não se subestimar o público, entender
também a responsabilidade de se segurar um microfone para iluminar e não
incendiar as massas e de se propor uma organização profissional. Coisas que a
Legião Urbana aprendeu às duras penas e conseguiu fazer nos anos vindouros.
A tragédia
passou, o caos se dissipou e a noite de 18 de junho de 1988 entrou pra história
do rock. A noite em que Brasília tremeu e Renato fez as pazes com seu passado.
Ou não...
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