terça-feira, 2 de setembro de 2014

UM CARA CHAMADO KEANU REEVES...




Um dos memes mais populares da internet é o “Sad Keanu”, ou “Keanu Triste”. Começou com a foto do ator Keanu Reeves num restaurante, sozinho, espalhada por um paparazzo. Evoluiu para os vídeos de Reeves no metrô em Nova York, cedendo seu lugar aos mais velhos, um sujeito para lá de normal. A fala pausada, o ar melancólico, a solidão perene: tudo contribui para aumentar o mistério em torno de Keanu, que completa hoje 50 anos de idade como um artista imprevisível, peculiar e em constante transformação.




O fato de Keanu Reeves ter se tornado um astro de escopo internacional, capaz de carregar um filme pelo mundo, contrasta com sua personalidade discreta. Nascido no Líbano, filho de um geólogo e uma figurinista e corista, Keanu (seu nome significa “a brisa fria sobre as montanhas”) logo se viu em um lar despedaçado quando seu pai, preso por tráfico de heroína, abandonou a família quando o garoto tinha apenas 3 anos – ele viu seu pai pela última vez aos 13. Em sua adolescência ele acompanhou sua mãe de Sydney, na Austrália, a Nova York, e depois para Toronto, no Canadá, onde ele foi criado pelos avós. Problemático na escola, Reeves preferia jogar hóquei à vida acadêmica e nunca terminou o colégio.


O chamado artístico veio cedo, já que Keanu atuava no teatro desde os 9, alternando palco, comerciais e TV pela adolescência. O drama Veia de Campeão, protagonizado por Rob Lowe em 1986, foi o ponto de partida de seu relacionamento com o cinema. Dois anos depois, lá estava ele ao lado de Glenn Close em Ligações Perigosas, de Stephen Frears. O cinemão não conseguia encurralar Keanu num canto, já que ele saltava da comédia acelerada Bill & Ted – Uma Aventura Fantástica (1989, que ganhou continuação dois anos depois) para o drama indie Garotos de Programa (1991) com a mesma desenvoltura.



Os papéis adolescentes foram ficando para trás, e nos anos 90 Keanu encarou um thriller (Caçadores de Emoção, de 1991), uma superprodução gótica (Drácula de Bram Stoker, que Coppola dirigiu em 1992) e surgiu, irreconhecível, em O Pequeno Buda, que Bertolucci fez em 1993. Quando Hollywood achava que Keanu seria o tipo de coadjuvante bacana que levaria mocinhas para o cinema em diversos gêneros (afinal, Caçadores de Emoção lhe rendeu um MTV Movie Award de “Macho Mais desejável”), ele abraçou o cinema de ação de forma surpreendente com Velocidade Máxima. Aos 30 anos, Keanu Reeves era, finalmente, um astro.




Um astro eclético. Velocidade Máxima não colocou Keanu Reeves num pacote, e ele recusou 11 milhões de dólares para aparecer na continuação, preferindo seguir o papel no drama Caminhando nas Nuvens com uma temporada no teatro – onde interpretou Hamlet – e uma turnê com sua banda de rock, Dogstar, na qual era o baixista. Mesmo com o fracasso de Johnny Mnemonic, Reação em Cadeia e o indie Paixão Bandida, Keanu agora dava as cartas. Reduziu seu salário para garantir Al Pacino no elenco de Advogado do Diabo – o que ele faria alguns anos depois em Virando o Jogo, para ter Gene Hackman no elenco – e reencontrou o sucesso.



Nada o preparou, porém, para uma ficcão científica modesta que ele foi rodar na Austrália com dois irmãos ambiciosos que só tinham um drama policial/sexy no currículo. Matrix, dos irmãos Wachowski, chegou aos cinemas no fim de abril de 1999 e se tornou o filme mais impactante do ano – o que não é pouco, já que foi a mesma temporada que viu Star Wars: A Ameaça Fantasma, Clube da Luta, A Bruxa de Blair e De Olhos Bem Fechados. No papel do herói cyberpunk Neo, Keanu achou o papel perfeito, que equilibrava sensibilidade e filosofia com a energia cinética de um filmaçio de ação original e inovador. Infelizmente, o ano ficou marcado para o ator por outros motivos. Sua namorada, Jennifer Syme, perdeu a filha do casal que nasceu prematura e não resistiu. Dezoito meses depois, Jennifer foi a única vítima de um acidente automobilístico. Foi o último envolvimento romântico público do ator.




Até então, a vida de Keanu Reeves era a de um nômade. Sem um teto para chamar de seu, ele vivia em hotéis e em casas alugadas – só me 2003 ele comprou uma residência modesta em Hollywood, seguida de um apartamento em Nova York. Longe de ser materialista, Keanu doou 50 milhões de dólares dos 70 milhões que recebeu pelas continuacões de Matrix (lançadas em 2003) para a equipe de efeitos especiais do filme. “O que tenho já me garante uma vida confortável pelos próximos séculos”, chegou a dizer. Com o cachê de seus filmes, Reeves alimenta uma organização de caridade para pessoas com câncer, além de um sem número de outras instituições – embora ele insista no anonimato.



A essa altura, Hollywood já havia desistido de categorizar Keanu Reeves. Ele continuava alternando sucessos de bilheteria (Alguém Tem Que Ceder, Constantine, A Casa do Lago, que o reuniu com a estrela de Velocidade Máxima, Sandra Bullock) com filmes independentes e experimentais. Nessa leva, ele voltou ao universo cyberpunk em O Homem Duplo (2006), de Richard Linklater, e fez o delicado A Vida Íntima de Pipa Lee (2009). Mesmo o candidato a blockbuster O Dia Em Que a Terra Parou, de 2008, não se encaixava como um “produto” hollywoodiano comum. A segunda década do século 21 trouxe serenidade e novos rumos artísticos. Se a música ficou de lado, Keanu foi para trás das câmeras com sede. Produziu o documentário Side by Side, em que entrevistava diretores como James Cameron e Martin Scorsese sobre a migração da película para o cinema digital; e dirigiu O Homem do Tai Chi, que arrancou elogios do diretor John Woo e mostrou habilidade narrativa e visual.




Sua volta para o terreno dos blockbusters foi o equivocado 47 Ronins, em que mais uma vez ele é o herói relutante, em busca de seu lugar no mundo e de sua verdadeira identidade. Mesmo com ritmo desacelerado, Keanu Reeves continua a buscar novas formas de expressão, sempre com dedicação. Seus 50 anos serão comemorados com mais um filme de ação incomum, John Wick, em que ele faz um assassino obrigado a perseguir um amigo que lhe tem como alvo. “Eu cheguei para as filmagens com meu roteiro na ponta da língua”, lembra Shia LaBeouf, que dividiu a cena com Reeves em Constantine. “Keanu é outro nível: ele tinha cadernos e mais cadernos cobertos com anotações, tudo sobre exorcismo, reencarnação, Deus e o Diabo, coisas que jamais entrariam no filme. Mas ele queria saber, queria estar preparado.” Keanu Reeves, 50 anos, sempre preparado. Menos para as surpresas da vida.

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