por Régis Tadeu
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David Crosby
dizia que ela era tão humilde quanto o ditador italiano Benito Mussolini. Bob
Dylan disse certa vez que ela é dos “homens mais durões” que ele já viu. Não
duvide destes dois: Joni Mitchell é uma mulher muito diferenciada desde a época
em que era uma bela e carismática hippie dos anos 70 e que se tornou
famosíssima como uma das maiores cantoras de todos os tempos, levando a beleza
de suas canções muito além dos muros tradicionalistas da folk music americana.
Sua origem
canadense nunca foi um empecilho para que ela exercitasse a energia vulcânica
que circulava em suas veias e artérias. Obstinada, ela jamais se rendeu ao
machismo reinante no show
business. Para ela, deveria haver uma igualdade e jamais uma dominância.
Dona de seu destino artístico, jamais abaixou a cabeça para ninguém. Suas
canções nunca se furtaram em combater as ideias pré-concebidas de como uma
artista como ela deveria se portar ou como deveria ser seu direcionamento
artístico.
Teve que
brigar muito com os produtores de seus álbuns para conseguir gravar o que
queria. Teve que brigar com os executivos de suas gravadoras para lançar os
álbuns do jeito que sempre quis. Teve que lutar muito contra a tirania reinante
no show business para soltar canções e álbuns
correndo riscos e se reinventando constantemente. Suas opiniões sempre
representaram uma fortaleza de pedra muito alta para qualquer zé mané sequer
tentar escalá-la. Teve peito de brecar uma cinebiografia a respeito de sua vida
que seria estrelada pela Taylor Swift, foi a única artista a dizer que Bob
Dylan sempre foi um babaca enganador e deixou muito claro à direção do Hammer
Museum de Los Angeles que sabia que a homenagem que pretendiam fazer a ela –
incluindo a exposição de seus inúmeros quadros – serviria apenas para trazer
grana de ricaços para a instituição. Sua moral em termos de acidez de ideias e
a postura típica de “fodam-se todos vocês” a levou a ser contratada a peso de
ouro pela Saint Laurent para ser uma das figures icônicas de uma campanha
recente da marca, ao lado de Marianne Faithfull, Kim Gordon e Marilyn Manson.
Sempre
negando o caráter confessional de suas canções, Mitchell nunca admitiu que os
personagens de suas canções eram pessoas com as quais encontrava em seu
cotidiano. Teve a mesma postura em relação a momentos soturnos de sua vida,
como quando ficou grávida de um colega de faculdade e resolveu ter a criança às
escondidas, sem que os pais soubessem, dando o bebê para adoção dias depois do
parto. A história veio à tona contra a vontade de Mitchell nos anos 90 e ela
chegou a reencontrar a filha em 1997.
Não tenho a
menor dúvida de que sua soberba discografia e sua postura altiva e ao mesmo
tempo serena serão legados inquestionáveis quando nos lembrarmos dela. Joni
Mitchell é daquelas artistas das quais você tem que ter todos os discos, sem
exceções. Se não quiser ou não tiver “açucar no armário”, pode experimentar o
ótimo box Love Has Many Faces: a Quartet, a
Ballet, Waiting to be Danced, que reúne em quatro CDs mais de cinquenta de
suas melhores canções, todas remasterizadas.
Ela nunca
foi uma “vendedora de milhões de discos”, como esse monte de gente sem talento
que vem frequentando as “paradas de sucessos” da Billboard ou do reino de Satã.
Cada um de seus álbuns é o reflexo artístico de uma cantora/compositora
sensível, que exala em suas letras de enorme cunho poético tanto a suavidade da
alma como a raiva contra um mundo real cada vez mais embrutecido. Ela tem a
fama perfeita: respeitosa, icônica e madura. Sua música nunca será engolida por
tempos cada vez mais descartáveis e sim será preservada pela memória cultural
deste planeta.
Ela já está
doente há quase uma década, mas sua saúde degringolou muito nos últimos meses.
Fontes próximas à família dizem que ela não consegue mais levantar da cama e
nem falar, em um estado próximo do vegetativo. Triste, muito triste. Torço para
que se recupere, mas os próprios médicos dizem que isso é impossível.
Portanto, deixo aqui a minha homenagem a ela na
forma de um texto e de alguns vídeos – um deles ao lado de uma superbanda,
formada pelo baixista Jaco Pastorius, pelo saxofonista Michael Brecker e pelo
baterista Don Alias - que certamente vão mexer com você caso a música dela
nunca tenha chegado ao seu cérebro e coração. Aposto que a sensação depois
disto é a de que Mitchell parece ter decidido abandonar um mundo onde o talento
não vale nada…