Em 1956, Marilyn foi à Londres para filmar O Príncipe Encantado (The Prince and the Showgirl) com Laurence Olivier, tido como o maior ator shakespeariano, marido de Vivien Leigh e que também era responsável pela direção do filme. O Príncipe Encantado foi seu único filme fora de Hollywood e a primeira produção da Marilyn Monroe Productions. Sim, exatamente. Marilyn criou uma produtora independente para poder tocar seus próprios projetos e não ter de ficar refém dos papéis abobalhados que ela não suportava mais. Produzido em associação com a Warner Bros. o filme foi unanimente elogiado pela crítica europeia e rendeu à Monroe o David di Donatello - a maior honraria do cinema italiano, equivalente ao Oscar - por sua performance, e uma nomeação ao BAFTA de Melhor Atriz Estrangeira. No filme, ela engole totalmente o grandioso Olivier, no papel de uma corista, e ele no de príncipe regente de um país fictício. A comédia romântica se desenrola em um delicioso jogo de gato e rato para ver quem vai conquistar quem. Este é o filme em que ela mais se assemelha a sua figura original, sua voz e seus cabelos são os mais próximos do natural e sua atuação é deliciosamente espontânea.
Marilyn era muito inteligente. Por trás do falso personagem criado pela mídia, pelo estúdio e até por ela mesma, havia uma mulher capaz, íntegra, honesta e elegante. Apreciava boa leitura, principalmente Dostoiévski, Franz Kafka, Vladimir Nabokov, Beckett, Bernard Shaw e também Jack Kerouac. Um de seus livros prediletos era Ulisses de James Joyce. Sua peça de teatro predileta era Um Bonde Chamado Desejo de Tennessee Williams. Também apreciava Goya, Michelangelo, Picasso, Degas e Botticelli. Seu perfume preferido era Chanel Nº5 e os cosméticos de Elizabeth Arden agradavam-lhe bastante. Nutria um bom gosto excepcional para o vestuário; fora dos figurinos extravagantes e luxuosos dos filmes, ela sempre optou por vestidos de mangas longas e decotes discretos. Não gostava de se exibir e mostrar o corpo. Nunca gostou de ser o centro das atenções e chamar atenção pelos atributos físicos.
Marilyn também tinha certo engajamento político e social. "O que eu realmente quero dizer: que o mundo realmente precisa de um sentimento de parentesco. Todos: estrelas, operários, negros, judeus, árabes. Nós somos todos irmãos. Por favor, não faça de mim uma piada. Termine a entrevista com o que eu acredito". Um fato quase desconhecido, é que Marilyn chegou a ajudar Ella Fitzgerald em sua carreira. O Mocambo Nightclub era uma das boates mais famosas de Los Angeles nos anos 50 e não aceitava cantores negros. A própria Marilyn interviu pessoalmente junto ao dono da casa usando de seu status perante a imprensa e exigindo Ella Fitzgerald como atração do clube. Em troca, ela estaria lá todas as noites na mesa da frente. E assim foi, Ella conta que depois disso nunca mais precisou cantar em um clube pequeno de jazz. "Ela era uma mulher incomum, um pouco à frente de seu tempo. E ela não sabia disso".
Marilyn teve uma longa experiência com a psicanálise. Ela começou a se consultar com a doutora Margaret Hohenberg por influência de Lee Strasberg, que achava que o tratamento ajudaria na exploração de suas emoções e consequentemente, no seu processo de amadurecimento como atriz no Actor's Studio. Foi a partir daí que ela começou a dar voz às vozes. Nunca mais foi a mesma. Grande parte dos problemas de Marilyn eram consequência da psicanálise. De 1955 a 1962 ela deitou sobre o divã de 5 psicanalistas. Chegou a se consultar com Anna Freud, filha do próprio pai da psicanálise, que a atendeu quando estava na Inglaterra filmando O Príncipe Encantado. Marilyn acabou desenvolvendo uma bizarra dependência e obsessão por psicanálise, consumindo tudo o que pudesse sobre o assunto, ela demonstrava um conhecimento gigantesco para alguém que não era profissional. Sua dependência era tão grande que ela não conseguia mais sequer gravar sem a ausência de sua psiquiatra. Tinha crises de ansiedade, paranoia, medo. Faltava dias ao trabalho. Esquecia os textos e paralisava toda a produção, já que a estrela nunca estava pronta para gravar. Ao longo dos anos, a situação foi galgando níveis absurdos até que Marilyn simplesmente não conseguia mais filmar.
A psicanálise é uma ciência perigosa. Vai à fundo nas memórias mais dolorosas e sofridas na tentativa de extrair o "problema". Os tratamentos são sempre longos e exaustivos e não se sabe certamente qual cura se busca. No caso de Marilyn, talvez a psicanálise tenha sido mesmo desastrosa. Ela não conseguia mais se libertar dos sofrimentos emergidos, passou a viver enclausurada entre suas memórias trágicas, numa atmosfera completamente dark. Seu estado de espírito era o pior possível, lamentável. Nada podia parecer reerguê-la. Mas talvez, ela tivesse a certeza de que seria curada pela psicanálise.
O último ano de vida de Marilyn Monroe foi tormentoso. Ela não conseguia mais equilibrar a vida. Sua saúde estava cada vez mais debilitada e sua instabilidade mental se acentuava a cada dia. Compareceu a cerimônia do Globo de Ouro em 05/03/1962, onde ganhou a estatueta na categoria de Atriz Favorita do Mundo Durante o Ano de 1961. Estava completamente bêbada, distribuindo gargalhadas na companhia de seu amante mexicano José Bolaños. Vestia um vestido verde de paetês que deixava suas costas nuas, exibindo sua magreza exagerada. Para todos, ela estava acabada e o fim estava próximo.
Em 19 de maio de 1962, Ela voou até Nova Iorque para encenar seu último ato no baile de gala pelo aniversário do presidente John F. Kennedy, onde cantaria Happy Birthday. Monroe parecia ter ensaiado a vida inteira para aquilo, e de fato tinha. Pagou 5.000 ou 12.000 dólares ao figurinista ganhador do Oscar Jean Louis para lhe fazer o vestido que só Marilyn Monroe pudesse usar. O vestido justíssimo e coberto de pedrarias a fez resplandecer assim que pisou no palco, parecia estar nua, mas nunca esteve tão bela. Ela se preparou para cantar Happy Birthday da maneira mais sensual e provocante que podia. Era tudo proposital, cada palavra da sua boca parecia transpirar sexualidade, doçura e prazer. Quando ela entrou no palco do Madison Square Garden estava atrasada, ela vivia atrasada, estava sempre atrasada. Peter Lawford, cunhado do presidente e mestre de cerimônias a anunciou como "the late Marilyn Monroe" - em inglês late quer dizer 'atrasada', mas também significa 'falecida'. Era o último ato.
Para cantar no baile do presidente em Nova Iorque, sem a permissão do estúdio, Marilyn Monroe teve de abandonar os sets de filmagem da comédia Something's Got To Give. Era praticamente o fim. O filme que serviria para salvar a 20th Century Fox da falência, por causa dos excessos na produção de Cleópatra, estava com a produção atrasada havia meses. Marilyn não apareceu para trabalhar em sequer metade dos dias de filmagem. Agora, o estúdio estava a beira do desespero porque sua estrela mais lucrativa desde Shirley Temple não conseguia mais gravar. Aquele filme lhe trazia más recordações, as crianças que contracenavam com ela tinham a mesma idade que os seus filhos teriam, caso ela não tivesse sofrido dois abortos espontâneos durante seu casamento com Arthur Miller. Dirigida por George Cukor - o diretor das estrelas - que segunda ela a odiava, lembrava outro filme em que foi dirigida por ele - Adorável Pecadora (Let's Make Love, 1960), que ela odiou filmar. No fim, era uma produção fadada ao fracasso no estado caótico em que Marilyn estava vivendo. Mesmo assim, as fotografias dela nua na piscina correram o mundo, e Something's Got To Give é um grande objeto de interesse e pesquisa até hoje.
Os dias finais de Marilyn são motivo de relatos ambíguos. As poucas pessoas próximas e os poucos amigos relataram que ela estava incrivelmente calma, serena, ansiosa e fazia mil planos para o futuro. Parecia querer mostrar uma outra imagem, de uma nova mulher. Outros disseram que os dias finais foram iguais a todos os outros - tristes, caóticos e solitários. Um dos fatos é que depois de sua demissão do estúdio ela iniciou uma verdadeira campanha de publicidade - deu entrevistas, apareceu na televisão, e posou para fotos. Queria mostrar que não estava morta, que ainda era Marilyn Monroe e não tinha acabado. Os últimos a fotografá-la foram George Barris e Bert Stern. Seu maquiador pessoal Allan 'Whitey' Snyder que a acompanhou por toda sua carreira, disse que ela nunca pareceu tão melhor e estava animada com as oportunidades disponíveis para si mesma. Em sua última entrevista, publicada depois de sua morte ela implorou - "Por favor, não faça de mim uma piada. Termine a entrevista com o que eu acredito. Eu não me importo de fazer piadas, mas não quero parecer com uma. Eu quero ser uma artista, uma atriz com integridade". No final das contas, conseguiu ser recontratada pela Fox com um contrato milionário, que ela infelizmente não teve a oportunidade de aproveitar.
Norma Jeane Mortenson nasceu no dia primeiro de junho de 1926, e morreu na madrugada do dia 5 de agosto de 1962. A autópsia encontrou oito miligramas por cem de hidrato de cloral e 4.5 miligramas por cem de Nembutal em seu organismo. A conclusão foi overdose de barbitúricos resultada de 'provável suicídio'. Ninguém nunca acreditou. Em 8 de Agosto ela foi sepultada no Westwood Village Memorial Park em Los Angeles, na mesma cidade onde nasceu. Seu segundo ex-marido, Joe DiMaggio, pagou o funeral e cuidou de toda a cerimônia. Marilyn foi maquiada por Snyder pela última vez, assim como ele prometeu anos antes, caso ela falecesse antes dele. Monroe vestia seu vestido preferido, de Emilio Pucci, verde, e segurava nas mãos um buquê de flores rosas. DiMaggio não permitiu a presença de ninguém do meio artístico, gente que segundo ele foram os responsáveis pela morte dela. Na cerimônia estavam apenas pessoas muito próximas a ela, seu psiquiatra, o doutor Ralph Greenson, e a meia-irmã Berniece Baker Miracle (ainda viva). Pelos próximos vinte anos DiMaggio mandou depositar rosas vermelhas todos os dias ao lado da cripta de Marilyn. Contam que quando estava prestes a morrer, teria dito "finalmente vou rever Marilyn".
Mulheres como Norma Jeane ou Marilyn Monroe não nascem todos os dias. Resta a história de uma mulher que tinha tudo para ser nada, mas acabou se tornando tudo. Uma mulher que sofreu traumas irreparáveis, mas sobreviveu a todos eles e cresceu através do seu próprio esforço. A história troncuda de uma atriz subestimada e esnobada que se tornou um dos maiores ícones da história do cinema. Aquela que sempre teve que rebolar para negociar seu próprio salário e não ser engolida pelas outras estrelas, salário este que muitas vezes era menor que o do seu maquiador. Nunca teve inimigos, nem desafetos, não se metia em escândalos e gostava de ter sua vida privada protegida. Resta a história de um exemplo de atriz, de mulher e de ser humano.
Entendam que Marilyn Monroe era o personagem de uma mulher que encenava o tempo todo. Que nunca pode ser ela mesma, porque ninguém nunca havia dado nada por ela. Norma Jeane não era a mesma pessoa que Marilyn Monroe. Era uma mulher frágil, doce e perturbada, que criou um personagem mil vezes mais forte, inflamável e exuberante. Triste ou alegre, não a julguem e lembrem-se dela com carinho.
Ontem, foram cinquenta anos, amanhã serão mais cinquenta, porque o tempo passa tão rápido quanto os teus 36 anos. Adeus Norma Jeane, que na outra vida você possa apenas viver em paz.
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Link original- MARILYN NO DIVÃ
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